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A partir de 18 de junho de 2022, a diretiva Whistleblowing da União Europeia estabelece a obrigatoriedade de implementação dos canais de denúncia nas empresas com 50 ou mais trabalhadores, bem como a criação de meios de proteção dos denunciantes de infrações.

Elsa Veloso, Advogada especialista em Privacidade e Proteção de Dados e CEO da DPO Consulting, esclarece o que é necessário saber para que as empresas e organizações portuguesas implementem estes canais de denúncia, cuja relevância é cada vez mais emergente.

A dois meses da necessidade do cumprimento da diretiva Whistleblowing, em transposição para a lei nacional, as empresas portuguesas estão preparadas?

As grandes empresas e as organizações de alinhamento internacional, nomeadamente as multinacionais, terão já implementados mecanismos que permitem a comunicação de irregularidades através de canais de denúncia. Uma vez que esta nova lei (lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro) se aplica às entidades públicas e privadas, é altamente recomendável que estas estabeleçam políticas, processos e procedimentos que acompanhem a implementação destes canais de denúncia como forma de proteger a confiança dos denunciantes, sendo até uma manifestação clara e evidente da vontade da organização na proteção dos denunciantes. Esta cultura de prevenção e proteção deve ser desenhada e promovida pela alta administração dando ela própria o exemplo na implementação e, sobretudo, na sua execução e cumprimento.

Sabemos que as organizações estão a trabalhar na implementação dos canais de denúncia, inclusive casos que são públicos e que vieram comprovar a importância desta legislação. Creio que a maior dificuldade para as organizações não será a implementação destes canais, mas sim o acompanhamento dos processos, algo mais complexo, que requer os meios certos e pessoas qualificadas e treinadas para o efeito.

Como será feita a agilização desses canais e que tipo de infrações serão consideradas?

A lei estabelece a possibilidade das denúncias serem feitas através de uma plataforma online, mediante a disponibilização de uma linha telefónica ou até mesmo presencialmente, obrigando as organizações à garantia da exaustividade, integridade e conservação da denúncia criando uma relação que estimule os denunciantes, de boa-fé, a transmitirem informações que podem ser relevantes para a melhoria da organização e no combate a situações irregulares que a todos prejudicam.

Quem denuncia espera uma consequência. Que ferramentas e apoios têm as empresas para sustentar e administrar essa “punição”, sob a pena do ato da denúncia cair em “saco roto”?

A organização tem a obrigação legal de no prazo de sete dias responder ao denunciante, confirmando a receção da denúncia. Na resposta deverão ainda constar os requisitos para a realização e admissão de uma denúncia nos canais externos, bem como a identificação das autoridades competentes aptas a receber essas denúncias externas. Uma vez dado início ao processo de uma denúncia em concreto, esta deverá ser investigada pelas pessoas responsáveis dentro da empresa com essa função, sob a égide da proteção e confidencialidade dos dados pessoas, e levando até ao fim. Dependendo do tipo de denúncia efetuada, a organização deverá reportar a mesma junto das entidades externas competentes, que agregam recursos especializados e treinados que deverão alocar todos os meios no sentido de apurar a verdade, a respetiva responsabilização e punição.

De que forma estão protegidos os colaboradores que denunciem infrações?

A lei obriga a que as organizações invistam na confidencialidade dos dados pessoais, garantido assim a sua proteção ou, quando aplicável, o seu anonimato. No entanto, uma das grandes novidades desta lei está na proibição de atos de retaliação por parte das empresas junto dos seus colaboradores. O colaborador que denuncie uma suposta irregularidade de boa-fé está protegido contra atos de retaliação pela entidade patronal, designadamente, a proibição do assédio, afetação das condições laborais, alterações às condições de trabalho (horários, funções, local), suspensão da relação contratual, avaliação de desempenho negativa, não renovação do contrato ou até mesmo despedimento. A própria lei prevê ainda, como abusiva, qualquer sanção disciplinar ao denunciante, até dois anos após a denúncia. Sem prejuízo da proibição de atos de retaliação contra o colaborador denunciante, a lei prevê apoio jurídico ao próprio, bem como determinadas medidas que se podem estender a pessoas com quem o mesmo se relacione, nomeadamente um colega que tenha auxiliado na denúncia ou familiar que possa ser alvo de retaliação num contexto profissional.

Para além da proteção de quem denuncia, as entidades estão preparadas para investigar de forma transparente as reclamações de retaliação?

Em caso de prática de atos de retaliação, o denunciante pode recorrer junto do Mecanismo Nacional Anticorrupção, o qual, nos termos do Decreto-lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro (que cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção e regula o Regime Geral da Prevenção da Corrupção), em conjugação com a lei dos canais de denúncia (lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro), detém competências para instaurar, instruir e decidir processos relativos à prática das respetivas contraordenações, nomeadamente, a violação da proibição de atos de retaliação pela entidade patronal contra o colaborador denunciante. Esta entidade deve proceder a uma investigação rigorosa, clara e transparente de forma a apurar a consumação ou não da prática de atos com natureza contraordenacional, na promoção do cumprimento normativo pelas organizações.

O que muda para as organizações vs colaboradores?

A implementação dos canais de denúncia vem potenciar uma cultura ética organizacional, dotando as organizações da possibilidade de acederem com maior transparência à informação na perspetiva da prevenção, deteção e seguimento de denúncias das infrações, que podem ser ilícitos penais ou de mera contraordenação social. Por outro lado, os colaboradores podem ver na sua entidade patronal um maior compromisso quanto ao cumprimento normativo das regras, normas e procedimentos que o protegem, transmitindo assim claros sinais de proteção aos denunciantes.

Que passos estão a ser dados, nomeadamente no setor público, para garantir a aplicação da lei?

No âmbito do setor público será necessário ter-se em conta duas linhas, nomeadamente, a criação de canais de denúncia externos (Ministério Público, órgãos de policia criminal, Banco de Portugal, autoridades administrativas independentes, institutos públicos, inspeções-gerais e entidades equiparadas e outros serviços centrais da administração direta do Estado dotados de autonomia administrativa, autarquias locais e associações públicas) e os canais de denúncias internos dentro de cada organismo e entidade direcionado aos seus trabalhadores, fornecedores e outros interessados. Estas alterações acarretam uma maior complexidade ao nível dos recursos humanos, os quais devem ser em número suficiente, treinados e capacitados para responder a estas denúncias, independentemente da sua quantidade, e obedecendo aos prazos legais de resposta devidamente fixados.

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