banner

A legislação que obriga empresas e institutos públicos a disponibilizar ferramentas para denúncias de más práticas está em vias de entrar em vigor. As queixas de alunas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa podem ter sido apenas o princípio de uma nova tendência, como sublinha o artigo de opinião da jurista Elsa Veloso

Estamos praticamente a dois meses da entrada em vigor, a 18 de junho de 2022, da Lei nº 93/2021, que obriga à criação de canais de denúncia, por parte das pessoas coletivas públicas e privadas com mais de 50 trabalhadores, bem como à criação de mecanismos de proteção do denunciante.

Entretanto, a este propósito, ouve-se falar que a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebeu, no intervalo de onze dias, meia centena de denúncias por assédio e discriminação no canal de denúncias que abriu (e bem) recentemente. Será que ainda restam dúvidas sobre a importância da implementação destes canais?

A criação dos canais de denúncia visa incentivar quem, de boa fé, queira denunciar práticas irregulares e atividades ilícitas, contrárias às leis nacionais e ao Direito em determinados domínios, nomeadamente nas áreas da contratação pública, serviços, produtos e mercados financeiros, prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, proteção da privacidade e dos dados pessoais, segurança da rede e dos sistemas de informação, entre outras.

Podem ser considerados denunciantes – estando devidamente protegidos enquanto tais nos termos da lei – os trabalhadores, prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes, fornecedores, titulares de participações sociais, pessoas pertencentes a órgãos de administração, gestão e fiscal, bem como voluntários e estagiários remunerados e não remunerados.

Na verdade, a presente lei vem impor uma maior celeridade na deteção e investigação de práticas ilícitas ou irregulares pelas organizações, obrigando a uma rápida intervenção e resolução do problema, o que aumenta a complexidade do desafio imposto às pessoas coletivas. As organizações devem estar preparadas com canais de denúncia que permitam receber, tramitar e dar seguimento às denúncias efetuadas e devem, igualmente, dotar-se de políticas, processos e procedimentos que permitam garantir a exaustividade, integridade, conservação das denúncias, confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes. Esta preparação implica a aposta em recursos destinados a garantir a correta instrução e acompanhamento das denúncias, de modo a que todos os processos sejam devidamente concluídos, quer por arquivamento, quer por seguimento.

Este novo mecanismo de comunicação veio trazer obrigações adicionais às organizações ao nível da proibição de atos de retaliação contra o denunciante, nomeadamente ao nível da proibição do assédio, afetação das condições laborais, alterações às condições de trabalho (horários, funções local), suspensão da relação contratual, avaliação de desempenho negativa, não renovação do contrato ou até mesmo despedimento, acrescido do facto de a própria lei prever, como abusiva, qualquer sanção disciplinar até dois anos após a denúncia.about:blank

Apesar de estarmos a pouco tempo da sua entrada em vigor, há ainda um longo caminho a fazer pelas organizações ao nível do cumprimento e conformidade com a presente lei. As coimas mais graves pelo não cumprimento da lei poderão oscilar entre os € 10.000,00 e os € 250.000,00, no caso de impedimento ou seguimento da denúncia, e ainda pela prática de atos retaliatórios.

A não implementação de um canal de denúncia, a ausência de garantias de exaustividade, integridade, conservação de denúncias, confidencialidade da identidade ou anonimato dos denunciantes e/ou de terceiros mencionados na denúncia, ausência de regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas, bem como a não designação e formação de funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias, poderá levar à aplicação de coimas entre os € 1.000,00 e os € 125.000,00.

É importante ter em conta que o desconhecimento da lei não justifica o seu incumprimento, nem obsta à aplicação das coimas, sendo imperativo que as organizações procurem as melhores soluções, adequadas à sua realidade, em prol da conformidade com este novo paradigma. Se as empresas estão preparadas para o que aí vem? Só o tempo o dirá…

Pode consultar o artigo read here.

en_GB