Elsa Veloso considera que, numa “leitura dinâmica” da lei, o ataque à Vodafone configura crime de terrorismo. E apesar de não ser adepta de “teorias da conspiração”, é a favor de “ligar os pontos” – o que a leva a desconfiar que haja motivações geoestratégicas por detrás dos ataques.
O ciberataque de que a Vodafone foi alvo esta semana pode ser enquadrado no crime de terrorismo. É a opinião da advogada Elsa Veloso, especialista em privacidade e proteção de dados, CEO da DPO Consulting.
Na terça-feira, o presidente executivo da Vodafone, Mário Vaz, classificou este ataque de “ato terrorista”. Uma expressão que não foi bem aceite por especialistas da área da cibersegurança, que acusaram a empresa de negligência, e de falta de investimento por parte da empresa na área.
Elsa Veloso considera que, tal como num crime de violação, “devemos estar do lado da vítima” e não acusá-la de se pôr a jeito.
Elsa Veloso lembra que as leis têm a parte material, a “letra da lei”, e o “espírito da lei”. “Eu gosto mais do espírito da lei porque as leis têm de ser lidas de acordo com o tempo, como a Bíblia e o Corão”, diz a advogada.
Para a especialista, esta lei é feita num espírito “estatizante”, pelo que diz que um grupo terrorista é aquele que vise “impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado”.
No entanto, lembra que “o Estado somos todos nós. E o Estado português, por motivos que não iremos agora debater, vendeu infraestruturas críticas e serviços essenciais. O que não faz com que deixem de ser serviços essenciais”, considera.
A advogada acrescenta que, além desta lei, existe um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de outubro de 2018, publicado no contexto do ataque à Academia do Sporting, em Alcochete, que considera crime de terrorismo “o comportamento de quem, agindo livre e conscientemente, executa tarefas essenciais de um plano conjunto com outros coarguidos, sob um desígnio e interesse comum, com um propósito atingido de intimidar ou aterrorizar um grupo de pessoas”.
Elsa Veloso encontra todos os ingredientes neste crime: “é o caso destes hackers e atacantes, eles agem livre e conscientemente. Acreditamos que não era possível um só atacante ter feito todos estes danos, há um grupo de pessoas organizadas, com o interesse de mandar abaixo a Vodafone, e conseguiram-no, têm um propósito atingido”.
Por outro lado, o objetivo de intimidar e aterrorizar também está lá. “Nós ficamos todos intimidados e aterrorizados, não conseguimos falar com os outros. Tivemos pessoas isoladas. Os negócios pararam, o INEM teve ativar o SIRESP. Mesmo assim houve pessoas que ficaram sem ajuda. O bancos foram afetados deixaram de fazer transações, os multibancos também. Portanto desde as pessoas individuais, as empresas, os hospitais, o INEM e os centros de socorro, os bombeiros, os bancos, até ao nível nacional, tudo ficou afetado por falta destas telecomunicações”, afirma a advogada.
O acórdão da Relação de Lisboa classifica ainda de terrorismo “o cometimento de crimes contra a integridade física e de crimes contra a liberdade de uma instituição de particular relevo no país”.
Neste caso, para a especialista, “se não houve, e está por provar, a violação da integridade física, houve violação de liberdade, porque deixei de ter orientação, deixei de poder falar, deixei de poder comunicar, de poder fazer reuniões, deixei de poder saber estava com Covid ou não, se podia circular… portanto há um ataque à liberdade”, afirma.
“Ora se o ataque aos jogadores, com o máximo de respeito pelo tribunal e por tudo aquilo que aconteceu, é considerado um ato de terrorismo, este ataque terá no mínimo no mínimo as mesmas proporções desse ataque que aconteceu a um clube de futebol”.
Concluindo, o ataque à Vodafone, para a advogada, configura crime de terrorismo. “Não se calhar daquela leitura muito fechada de 2003, que é uma leitura estatizante, mas numa leitura dinâmica que o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu quando foi o caso do Sporting e do ataque ao campo de treinos do Sporting”.
Ataque geoestratégico? “Quando atinjo o elefante na tromba, atinjo o elefante”
Elsa Veloso diz não ser adepta de “teorias da conspiração”, mas é a favor de “ligar os pontos”. “As pessoas têm que ser inteligentes, pensar ao alto nível, ter distanciamento das coisas e ler o todo”, afirma.
“Existe um ataque à imprensa, ao Grupo Impresa e à Trust in News, detentores de órgãos de comunicação social muito relevantes. Portanto que representam um pilar fundamental daquilo a que se chama democracia, que é liberdade de expressão”.
“Depois foi atacado, no dia das eleições, dia 30 de janeiro, o site do Parlamento. Um órgão de soberania máximo é atacado. Depois temos um ataque a infraestruturas críticas e serviços essenciais. E depois temos um ataque a uma empresa de saúde líder. Portanto acho era melhor juntarmos estes pontos todos, porque estamos a receber sinais”, considera a advogada.
Mas Elsa Veloso vai ainda mais longe: este ataque poderá ser enquadrado ao nível “geoestratégico”.
“Na geoestratégia temos sempre os dois grandes blocos que se opõem ao bloco ocidental, que são naturalmente a Rússia e a China. Se estivermos a falar da Rússia e da China, qualquer dos dois, eventualmente, poderia ter interesse em desmantelar aquilo que é, de um lado, um aliado estratégico da NATO, com as portas entradas do Atlântico e com as portas das telecomunicações, que é uma coisa que ninguém fala. Nós somos estratégicos do ponto de vista das infraestruturas de telecomunicações transatlânticas”, diz.
A advogada lembra a dimensão da Vodafone a nível mundial – “atacar a Vodafone é atacar uma coisa equivalente a 25% do PIB português”.
Questionada sobre o facto de o ataque ter sido apenas à Vodafone Portugal, a advogada argumenta que “quando atinjo um elefante só na tromba, atinjo o elefante. Não se pode dizer a Vodafone Portugal. Quando vamos matar o elefante, começamos pela tromba? Ou por uma pata? Mas não é o elefante na mesma?”
Continuando a metáfora, a advogada considera que o “tiro na pata do elefante”, ou seja, o ataque à Vodafone Portugal, pode ter motivações mais profundas. “Nesta guerra com a Ucrânia, onde a Vodafone também está presente, poderia, claro está, a Rússia estar a dar um sinal ao elefante numa pata que depois o tiro seria mais certeiro noutro sítio e que aqui teria sido o pequeno ensaio num país à beira mar plantado”.
Teoria da conspiração ou uma possibilidade, numa altura em que escala a tensão na fronteira da Ucrânia com a Rússia?
A Polícia Judiciária, na terça-feira, disse ser prematuro associar o ataque informático à Vodafone a outros ataques que ocorreram nos últimos meses em território nacional e que neste momento, todas as hipóteses estão em aberto. A investigação decorre com apoio internacional, envolvendo a Europol e a Interpol, por exemplo, mas também nacional, com o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) e os serviços de informações do Estado.
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